segunda-feira, 27 de julho de 2009

O motivo da rosa



A rosa, bela Infanta das sete saias
e cuja estirpe não lhe rouba, entanto,
o ar de menina, o recatado encanto
da mais humilde de suas aias,
a rosa, essa presença feminina,
que é toda feita de perfume e alma,
que tanto excita como tanto acalma,
a rosa... é como estar junto da gente
um corpo cuja posse se demora
- brutal que o tenhas nesta mesma hora,
em sua virgindade inexperiente...
rosa, ó fiel promessa de ventura
em flor... rosa paciente, ardente, pura!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Hoje é outro dia


Quando abro cada manhã

a janela do meu quarto

É como se abrisse o mesmo livro

Numa página nova...


Mario Quintana

quarta-feira, 22 de julho de 2009

sexta-feira, 17 de julho de 2009

OS NOMES




Como não lhes interessa o que parece inútil, os campônios não dão importância às flores do campo. É o que parece. Mas a gente fica a perguntar-se como é que essas flores silvestres conseguiram então ter nomes populares: margaridas, amores-perfeitos, coisas assim!


(Porta Giratória)

O poeta dedicou-lhe um poema:




Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!


Manuel Bandeira

Ilustraça: Faccincani Giardino

Sem sapatos


Tão Linda e Serena e Bela



Tão lenta e serena e bela e majestosa
vai passando a vaca
Que, se fora na manhã dos tempos, de rosas a coroaria
A vaca natural e simples como a primeira canção
A vaca, se cantasse,
Que cantaria?
Nada de óperas, que ela não é dessas, não!
Cantaria o gosto dos arroios bebidos de madrugada,
Tão diferente do gosto de pedra do meio-dia!
Cantaria o cheiro dos trevos machucados.
Ou, quando muito,
A longa, misteriosa vibração dos alambrados...
Mas nada de superaviões, tratores, êmbolos
E outros truques mecânicos!

Mario Quintana

Foto: A rua onde eu nasci.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Vales




Na época em que trabalhava na Editora Globo ele andava sempre duro. O salário terminava bem antes do fim do mês, vivia pedindo vales de adiantamento. Em determinado dia, o caixa chiou:
- Mas seu Mario, o senhor já tem um monte de vales!
Quis saber, com aquele sorriso maroto:
- Afinal, são vales ou são montes?

Do livro “Ora Bolas – O humor cotidiano de Mario Quintana” de Juarez Fonseca

Um velho tema


Há mortos que não sabem que estão mortos - eis um velho tema desses relatos fantásticos e fantasmais que a gente lê sem cansar nunca. Como se não houvesse coisas muito mais impressionantes em nosso próprio mundo! Uma história, por exemplo, que começasse assim: há vivos que não sabem que estão vivos...


Mario Quintana
Ilustração -Edward Munch

Um poço de ternura


Às vezes, era temperamental, imprevisível, capaz de sumir, na presença de quem quer que fosse, a cavalo de uma espiral de seu inapagável cigarro. Paciência! Mesmo assim, lembro inúmeros encontros, sobretudo os dos últimos dez anos de vida, quando descobri que havia dentro de Quintana um poço de ternura, também para os amigos.
Sua personalidade magnética produzia, de modo perdulário, poesia falada. Em qualquer encontro com amigos, surgiam anedotas e provérbios exemplares. Era frasista inveterado, da linhagem de Otto Lara Resende, alguém precisava sair atrás dele anotando. Desconcertava com o raciocínio analógico, virando o senso comum de ponta-cabeça.
Em seu espelho mágico, os leitores saíam transfigurados: "Sorri com tranqüilidade/ Quando alguém te calunia./ Quem sabe o que não seria/ Se ele dissesse a verdade...".
Divertia-se inventando histórias e assustava os interlocutores ao demorar a esclarecer que eram mentiras.
Apresentava um afiado radar da aproximação dos chatos. "Identificava um chato a distância, especialmente os aduladores sem conhecimento de causa. Trocava de calçada se preciso", recorda Elena.

Armindo Trevisan, poeta gaúcho, fala sobre o amigo Mario Quintana
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Um encontro com ele


Foi no meio da rua.
Uma parada.
Um abraço.
O outro perguntou-lhe:
- Para onde vai o senhor?
- Para o outro lado.


Mario Quintana

Foto tirada em Buenos Aires, eu peguei do blog do Fabio Rocha (http://dabusca.blogspot.com)
Os argentinos fizeram uma homenagem a Mario Quintana, dando o seu nome a uma ponte.

sábado, 11 de julho de 2009

Quintana por ele mesmo...



O texto abaixo foi escrito pelo poeta para a revista Isto É de 14/11/1984

Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente.

Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai!

Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.

Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton!

Excusez du peu... Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?

Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.


Se não foram os gatos...




quinta-feira, 9 de julho de 2009

Os Poemas


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...



Mario Quintana