Mario Quintana, velhote buliçoso (quando o conheci), era surpreendente. Tudo nele me parecia engraçadíssimo. Insólito. Era um humorista.
Veio ao Rio – receber o prêmio do Pen Clube. E se hospedou no Hotel Flórida, o mesmo em que se hospedavam Gilberto Freyre e Mauro Mota. Havia as obras do metrô, na rua do Catete, Quintana telefonou do hotel: “Vocês não me avisaram que a cidade ainda não estava pronta”...
Fui a Porto Alegre numa delegação de escritores, para participar das festas dos seus setenta anos, 1976. Ele estava eufórico. Saltitante. Parecia um passarinho. Ficamos no City Hotel. Almoçamos lá com ele. Pediram-me que fizesse um discurso breve de saudação ao poeta, no fim do almoço.
Quando acabei, Quintana veio beijar-me. E disse que não faria um discurso de agradecimento, porque não sabia fazer discurso, nem gostava. Uma graça. Homem pitoresco. Todos aplaudiram com fervor.
E houve um grande jantar, noutro hotel. Lá estava Guilermino César, com todo o seu sofrimento, homem espantoso. Nélida Piñon, Rachel Jardim, Fausto Cunha, Paulo Mendes Campos compunham a comitiva.
Mario Quintana pareceu encabulado com tantas manifestações. Era um garoto. E o seu lado menino a todos cativava. Tivera uma vida de longos sofrimentos. A bebida o subjugara, durante anos. Lara de Lemos, solícita, o conseguiu libertar dessas cadeias. E ele nunca mais bebeu. Ele, que era um homem de bar, um ser noturno.
No almoço, no jantar, bebeu apenas água mineral. Dizia, com naturalidade: “não bebo mais”. Sentamos lado a lado, num bar, fim de tarde – e ele não quis beber, nada, a não ser a sua água mineral, anódina.
Paulo Mendes Campos ali estava, o grande admirador da sua poesia, intimista, leve, filosófica, despretensiosa, quase humilde, cheia de silêncios e de amor.
Falava baixo. Como que pedia desculpas. Era um ser gentil. Não tinha nenhuma pose, nenhuma afetação. Era tudo leveza, espontaneidade, fluidez, comunicatividade modesta. E brincava com a vida. Sabia provocar a vida. Quintana cultivava o humor mais genuíno. Mais inocente. Mais puro.
Era um anjo algo boêmio. Um anjo displicente. Um anjo sabido. E ousava divertir-se com a vida, conosco, com os acontecimentos, com as palavras.
Por Antônio Carlos Villaça em seu livro: Os Saltimbancos da Porciúncula
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